Por: Ògan Assogbá Luiz Alves/PROJETO ONÍBODÊ
No universo das comunidades de terreiro, existe uma máxima silenciosa, mas poderosa: ninguém caminha sozinho. O Axé não é apenas uma energia mística; é a força cinética gerada pelo abraço, pelo suor compartilhado na cozinha e pela voz uníssona no barracão. Essa verdade ancestral se materializou de forma emocionante no último domingo, no Ilê Asé Ogun Onire Bo dirigido por Mãe Abadia de Ogun , durante a já tradicional "Ressaca dos Boiadeiros".
O que se viu ali não foi apenas uma festa religiosa. Foi a concretização de um pacto de irmandade firmado no orun e consolidado no ayé.
A Gênese de um Encontro
Há mais de cinco anos, durante os festejos para o Boiadeiro Seu Menino (da coroa de Pai Ricardo), uma semente foi plantada. Naquela ocasião, as entidades presentes — guiadas pela sabedoria cabocla de quem sabe que a boiada só caminha segura se estiver junta — fizeram um acordo. Decidiram que, após o ciclo de festas individuais em seus respectivos terreiros, realizariam um grande toque unificado.
Nascia ali a "Ressaca dos Boiadeiros". Uma iniciativa visionária liderada por Seu Menino (Pai Ricardo), Seu Chapadão (Mãe Abadia), Seu Lua Branca (Tata Kanamburá) e Seu Zé da Mata (Mãe Déia Talamugongo). Ano após ano, o evento cresce, atraindo mais adeptos e provando que a fé é o elo mais resistente que existe.
O Sagrado Começa no Sábado
Para quem olha de fora, a festa é o domingo. Mas para quem vive o Axé, a magia começa muito antes. Desde o sábado, com a "derrubada do boi", o Ilê Asé Ogun Onire Bo já fervilhava. A movimentação intensa não era de caos, mas de uma harmonia orquestrada pelo afeto.
Era possível ver a beleza da comunidade em ação: amigos chegando com doações para a alimentação, filhas de santo de outras casas dedicadas a passar as roupas dos Encantados, garantindo que os Boiadeiros estivessem impecáveis. A casa pulsava alegria. Esse trabalho de bastidor, muitas vezes invisível, é o alicerce da religião. É a prova de que o sagrado se constrói com mãos dadas.
Domingo: Churrasco, Atabaque e Surpresas
O domingo amanheceu com cheiro de brasa e som de couro esticado. Os Ògãs, guardiões do ritmo, já estavam a postos nos atabaques, enquanto a churrasqueira exalava a promessa de fartura — carne em abundância para um povo que sabe festejar.
O toque, no entanto, começou com uma emoção humana antes da divina: uma homenagem surpresa à Mãe Abadia, aniversariante do dia. O terreiro virou palco de duas celebrações em uma, onde o profano e o sagrado dançaram juntos. Amigos reencontrados, risadas altas e abraços apertados davam o tom. A harmonia não era apenas um conceito; era a convidada de honra sentada à mesa com todos.
O Aboio que Corta a Alma
E então, eles chegaram. Quando os Boiadeiros "baixaram" no terreiro, a atmosfera mudou. O som dos aboios — aquele canto lamento-bravio que narra a lida do gado, o pó da estrada e a saudade do sertão — ecoou pelas paredes do Ilê.
Ver essas entidades reunidas, cumprindo a promessa feita há cinco anos, foi uma demonstração visceral de lealdade. As cantigas retratavam as passagens de sua lida no tanger do pastoreio, mas, metaforicamente, falavam sobre a lida da vida. Sobre cair e levantar. Sobre reunir o rebanho (a família de santo) e protegê-lo dos perigos da estrada.
"Ser de Axé é isso! Ser de Axé é, antes de tudo, entender a grandeza de um abraço e de uma zuela bem cantada."
Durante um breve intervalo aconteceu a apresentação do "Grupo de Maracatu do Boidaeiro Boi Brilhante" que com suas alfaias, gonguê, caixa de guerra, ganzá, xequerês ou agbês inundaram o Ilê Asé Ogun Onire Bo com seu som e cultura, trazendo em sua percussão a certeza de que apesar de muitos não gostarem, ainda estamos aqui e com a força de Nossa Ancestralidade, PERMANECEREMOS
A "Ressaca dos Boiadeiros" no Ilê Asé Ogun Onire Bo nos ensina que a religiosidade afro-brasileira é, acima de tudo, um ato de resistência e amor coletivo. Que venham os próximos anos, e que o laço desses Boiadeiros continue nos puxando para perto uns dos outros.
Chetuá, Boiadeiro! Salve a força de quem trabalha e de quem ama.
Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união.
Axé!
*APOIE, DIVULGUE E INCENTIVE O ONÍBODÊ (O PORTEIRO) por uma comunicação ANTI-FACISTA, ANTI-RACISTA e de apoio à Nossa Comunidade Negra e Afro Religiosa com doações a partir de R$25,00 (vinte e cinco reais)*
CLIQUE NO LINK ABAIXO PRA APOIAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opnião para que possamos melhorar nosso trabalho.