segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Oficina de Jongo na Casa Luz de Yorimá evoca ancestralidade, memória e resistência no coração de Brasília

Por: Ògan Assogbá Luiz Alves

No último sábado (1º de novembro), a Asa Norte da capital federal foi invadida por tambores, cantigas e saberes ancestrais. A Casa Luz de Yorimá, terreiro de matriz afro-brasileira sob a condução de Mãe Leila, acolheu, com a força espiritual que lhe é própria, uma oficina de Jongo, parte integrante do Projeto Quitanda Cultura e Saberes. O evento,  foi conduzido por Apoena Machado, defensor,  estudioso e divulgador do jongo bem como integrante do Jongo do Cerrado, grupo que há anos se dedica ao resgate e à disseminação do jongo no Planalto Central.

A programação iniciou com a exibição do documentário “Jongo do Vale do Café”, um registro sensível e necessário da resistência cultural em Pinheiral (RJ) — cidade que, desde o século XIX, abrigou comunidades quilombolas e jogueiras que enfrentaram, com canto e dança, a brutalidade da escravidão e o apagamento cultural. O filme trouxe à tona memórias vivas de uma luta contínua, não apenas pela preservação de uma tradição, mas pela afirmação da identidade negra e da dignidade ancestral. Após a projeção, o grupo seguiu para o pátio do terreiro, onde o clima se transformou em verdadeiro círculo sagrado de saberes. Sob a orientação de Apoena, os presentes foram conduzidos numa imersão sensorial e espiritual: aprenderam as batidas dos n’gomas (tambores sagrados), entoaram cantigas codificadas, experimentaram os passos de dança e ouviram histórias que transcendem o tempo. “O jongo não é só dança. É memória, é oração, é estratégia de sobrevivência”, afirmou Apoena, destacando que cada canto carrega mensagens cifradas, histórias de fuga, de luto, de festa e de liberdade.


O som dos atabaques ecoou forte pela Asa Norte — um território frequentemente associado à aridez burocrática — e, por algumas horas, impregnou a capital com a potência da ancestralidade. Mãe Leila, com sua postura serena e firme, lembrou que “os terreiros são espaços de resistência, sim, mas também de cura e de ensino”. E foi exatamente isso que se viu: um ato político e espiritual em que cultura, religião e história se entrelaçaram como as fibras de um mesmo tecido.




Memórias pessoais, memórias coletivas

Para este repórter, o evento teve um significado ainda mais profundo. Pinheiral foi, por muitos anos, um ponto de referência familiar. Na infância, viajava de trem com minha família para visitar meus tios Quincas e Eurika, que ali moravam. Lembro com carinho das brincadeiras, do doce de abóbora com côco feito no fogão à lenha e dos presentes que meu tio artesão esculpia com mãos cheias de sabedoria — tamancos de madeira, carrinhos como o “Fubika”, que ainda guardo com zelo. Aquele casarão, outrora símbolo de opulência dos Breves, uma das famílias mais ricas — e cruéis — do Império, detentora de mais de 2.500 pessoas escravizadas, hoje respira outro tempo. Anos depois, já como fotógrafo do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (1984), tive acesso ao interior da Escola Fazendária, em Pinheiral, e pude sentir, nas paredes e nos tetos pintados com afrescos, o peso da história — tanto da opressão quanto da resistência que ali floresceu.

Projeto Quitanda Cultura e Saberes: um ato de reparação

O projeto, idealizado por Mãe Leila e sua comunidade, tem como objetivo promover saberes tradicionais e Ancestrais, integrando cultura, espiritualidade e educação popular. A oficina de jongo é mais do que uma aula de dança: é um gesto de memória ativa, um convite para que as novas gerações reconheçam nas batidas dos tambores o eco das vozes que jamais se calaram.

Ao final do encontro, muitos saíram com os olhos úmidos — não por tristeza, mas por reconhecimento. Reconhecer que, mesmo em pleno século XXI, em uma cidade planejada para esquecer, a ancestralidade insiste em cantar.

E que bom que ela canta. 

E que bom que dança.  

E que bom que ensina.

Serviço:  

O Projeto Quitanda Cultura e Saberes terá novas oficinas ao longo do ano na Casa Luz de Yorimá (localizadana quadra 905 Nortye -  na Asa Norte, Brasília). Informações e inscrições podem ser obtidas diretamente com o terreiro ou pelo coletivo Jongo do Cerrado.

Contato Mãe Leila (Casa Luz de Yorimá): (61) 99838-7254

Apoena Machado ( Jongo do Cerrado): (61) 98151-8036

Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união. 

Axé!

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