terça-feira, 4 de novembro de 2025

O Terreiro é a Trincheira: Como o Candomblé e a Umbanda Preservaram a Alma Negra no Brasil


Por: Ògan Assogbá Luiz Alves

Salve, salve, comunidade do Oníbode! Quem toca o sino da reflexão hoje é a própria história, que sussurra e grita através dos séculos. Com o mês da Consciência Negra se iniciando, não basta apenas lembrar de Zumbi; é preciso entender onde e como a chama da nossa cultura continuou acesa quando tudo conspirava para apagá-la. E a resposta, meus irmãos e irmãs, ecoa no som do atabaque e no balançar dos guias: o terreiro sempre foi a nossa trincheira.

Enquanto a senzala tentava quebrar corpos e espíritos, era no segredo das matas e nos fundos de quintais que os mais velhos reconstruíam, peça por peça, o universo que lhes foi roubado. O Candomblé, a Umbanda e as outras nações não surgiram aqui apenas como fé; foram atos de guerra. Guerra contra o apagamento. Guerra pela memória.

Pense bem: em um sistema que negava a humanidade do povo preto, os terreiros ofereciam um panteão de divindades que espelhavam a natureza e a complexidade humana – Iansã, a guerreira e senhora dos ventos da mudança; Xangô, o justiceiro; Oxum, a dona do amor e da riqueza. Isso é poderoso. Enquanto o colonizador impunha um deus único e punitivo, nós cultuávamos forças que viviam na floresta, no rio, no raio. Era uma reconexão com uma cosmovisão que via o sagrado em tudo, uma filosofia de vida profundamente ecológica e comunitária.

E essa preservação foi literal. Nos terreiros, a língua iorubá, o quimbundo, sobreviveram nos cânticos, nos rezas, nos nomes dos Orixás. Os ritmos dos atabaques carregavam a cadência da África nos porões dos navios negreiros. A culinária sagrada, com seus acarajés, inhames e milhos, manteve viva uma gastronomia que é pura identidade. O terreiro foi, e ainda é, um quilombo cultural.

Mas não se engane: essa resistência tem um preço alto. A intolerância religiosa que vemos hoje, com terreiros incendiados e filhos de santo agredidos, não é um conflito religioso simples. É a continuação do racismo de sempre, vestindo uma nova roupagem. É a tentativa de silenciar o último reduto onde a alma negra pôde, livremente, ser o que ela é. É o fascismo atacando o que não consegue controlar nem entender.

Por isso, defender as religiões de matriz africana vai muito além do respeito à liberdade de crença. É um dever antirracista. É reconhecer que quando um ogã toca seu ilú, ele não está apenas chamando os Orixás para a festa. Está ecoando a resistência de seus ancestrais. Está dizendo, aos ouvidos do mundo, que não nos calamos, não nos rendemos e, principalmente, não nos esquecemos de quem somos.

O terreiro é a trincheira. E a luta continua.

Axé!


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