quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O Samba que Não se Vende: A Cultura Negra Entre a Resistência e a Apropriação


"Da corrente à batida do pandeiro: a mesma mão que o sistema algemou é a que conduz o ritmo da nossa resistência negra, da criminalização à celebração, sem nunca perder sua essência combativa."


Por: Ògan Assogbá Luiz Alves.

Há uma guerra silenciosa sendo travada nos tambores do samba, nas tranças das passarelas e nos versos do rap. É a guerra pelo significado. De um lado, a resistência, a memória, a alma. Do outro, a apropriação, o esvaziamento, a mercadoria.

No mês da Consciência Negra, é urgente falar sobre isso: a cultura negra não é um produto de prateleira para ser consumido e descartado. Ela é o sangue e o suor de uma história de resistência. E cada vez que um elemento nosso é roubado, pasteurizado e vendido de volta para nós sem a sua essência, uma parte dessa história é apagada.

Pensem no samba. Nascido nos terreiros e quintais das tias baianas e cariocas, criminalizado como "vadiagem" pela polícia do pós-abolição. Era música de preto, de pobre, de malandro. Hoje, é o "produto nacional" mais exportado, a trilha sonora do carnaval na TV Globo. Mas quantos sabem que o partido-alto era um jogo de versos cheio de críticas sociais? Quantos reconhecem no tamborim o eco dos atabaques do candomblé? O samba foi aceito apenas quando sua narrativa de luta foi domesticada, quando a "negritude" perigosa foi substituída pela "brasilidade" cordial.

O mesmo acontece com nossas estéticas. O black power, que nos anos 70 era um símbolo político do Panteras Negras e do Movimento Negro, um grito de "o cabelo é meu, a beleza é minha, a história é minha", hoje é "estilo" em capas de revista. O turbante, que carrega a dignidade e a história de rainhas africanas, vira "tendência de verão" em campanhas publicitárias com modelos brancas. Eles querem o nosso sal, mas não o nosso suor. Querem a nossa estética, mas rejeitam a nossa ética e a nossa dor.

Isso não é "homenagem" ou "valorização". É apropriação cultural. É o ato de sugar a forma e esvaziar o conteúdo. É transformar um símbolo de resistência em um mero acessório, desprovido de seu poder político. É uma forma sutil, porém eficiente, de racismo, porque perpetua a lógica de que o que é preto só tem valor quando passa pela curadoria e pelo aval branco.

Mas a resistência continua, e ela é inteligente. Está no rap de Racionais que educa mais que muito livro didático. Está no congado que mantém viva a coroação de reis e rainhas negros no interior de Minas. Está na jovem que, ao trançar o cabelo, ensina para a filha a história de cada penteado. Está no bloco de afoxé que ocupa a avenida cantando para os Orixás.

Consumir cultura negra, portanto, é um ato político. É buscar a fonte. É ouvir o samba de raiz, comprar das costureiras que fazem o turbante com respeito, seguir os intelectuais e artistas negros que explicam o significado por trás de cada símbolo. É entender que a cultura não é um espetáculo para ser assistido, mas um território a ser defendido.

Nossa cultura não é moda. É memória. Não é entretenimento. É estratégia de sobrevivência. E nós, da comunidade, somos os únicos guardiões da sua chama. Não vamos deixar ninguém apagá-la.

"Que a batida do atabaque e o verso do partido-alto ecoem cada vez mais alto."

Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união. 

Axé!

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