segunda-feira, 28 de julho de 2025

Fogueira de Xangô acende não apenas chamas, mas a resistência, a ancestralidade e o empoderamento do Povo de Axé em Águas Lindas

 

Por Ògan Assogbá Luiz Alves/PROJETO ONÍBODÊ

No último sábado, 26 de julho, o Ilê Axé Odé Erinlé, sob a condução firme e sagrada de Pai Ricardo de Oxóssí, transformou-se em epicentro de força, memória e renovação espiritual. Em meio às terras sagradas de Águas Lindas de Goiás, a Tradicional Fogueira de Xangô não foi apenas um ritual — foi um grito de existência, um ato de afirmação de identidade e um reforço do tecido comunitário que sustenta a religiosidade afro-brasileira diante de um país que insiste em silenciar seus tambores.


A noite foi tomada pela energia do Orixá da justiça, Xangô, cuja fogueira crepitou com a intensidade de mil vozes ancestrais. Cada fagulha que se elevou aos céus carregava pedidos de equilíbrio, clamores por justiça, agradecimentos por vidas salvas, caminhos abertos e coroas mantidas firmes. O fogo, elemento sagrado, simbolizou não apenas purificação, mas o fôlego vivo da tradição que insiste em resistir, florescer e se expandir.






A cerimônia reuniu uma imensa representação da comunidade afro-religiosa de Águas Lindas, Brasília e Territórios, em um movimento de união que transcendeu terreiros, linhagens e geografias. Foi um corpo coletivo em movimento, em devoção, em celebração. E dentro desse corpo, uma figura emergiu com a autoridade que só a sabedoria e a entrega verdadeira podem conferir: Mãe Daiane Santos.


Neste dia histórico, foi consagrado o Odú Mefá de Mãe Daiane, momento solene e profundamente simbólico em que ela é oficialmente reconhecida como Egbomí — palavra iorubá que significa “a mais velha”, aquela que carrega a responsabilidade de guiar, aconselhar e sustentar a comunidade com autoridade moral e espiritual. Esse título não é dado por acaso, nem conquistado por imposição. É merecido. É fruto de trajetória, de serviço, de coragem diária em defesa da fé, da cultura e da dignidade do povo de santo.

Mãe Daiane assume não apenas um posto, mas um compromisso sagrado: o de ser farol em tempos de névoa, coluna em tempos de instabilidade. Sua ascensão é um marco. É o reconhecimento de que as mulheres negras, mães de santo, são pilares não apenas dos terreiros, mas da própria resistência cultural e espiritual do Brasil. É um ato político, sim. Porque afirmar uma Egbomí é afirmar autonomia, é desafiar o racismo, o sexismo e o obscurantismo que ainda cercam as religiões de matriz africana.


E no ápice dessa conexão entre o divino e o humano, aconteceu um dos momentos mais profundos e emocionantes da noite: Xangô compartilhou seu Sagrado Amalá com todos os presentes. Em um gesto de graça, proteção e fortalecimento, o Orixá, por meio de seus sacerdotes, distribuiu o alimento consagrado — o Amalá de Xangô — como oferenda de força, cura e proteção.






Não foi apenas um punhado de Amalá depositados nas mãos de quem buscou a energia de Xangô. Foi sacramento. Cada porção servida acalmou não só a fome do corpo, mas alimentou a alma de quem caminha diariamente em territórios de perda, de violência, de invisibilidade. O Amalá, carregado pela energia do Rei de Oyó, tornou-se fonte de coragem, energia vital e resistência. É nesse alimento sagrado que se bebe a força para enfrentar a injustiça, para sustentar a família, para continuar a caminhar com dignidade em um país que ainda nega direitos, que ainda criminaliza a fé, que ainda tenta apagar a história do povo preto.


Ao receber o Amalá, cada pessoa ali presente foi lembrada de que não está sozinha. Que tem um Orixá guerreiro à frente, que tem uma comunidade ao lado, que tem ancestralidade nas costas. Foi um ato de nutrição espiritual que ecoa muito além do terreiro — é alimento para a luta, combustível para a persistência, bênção para a jornada.


O momento do acendimento da fogueira foi arrebatador. Pai Ricardo de Oxóssí, com a precisão de quem conhece o tempo e o destino, conduziu o rito com serenidade e potência. Quando as chamas se ergueram, um silêncio sagrado tomou conta do terreiro. E então, um coro de vozes, batuques e palmas ecoou como um só coração. Foi nesse instante que o sagrado e o terreno se fundiram. O fogo não queimava apenas lenha — queimava opressão, indiferença, esquecimento.



A Fogueira de Xangô em Águas Lindas foi muito mais do que um evento religioso. Foi um ato de reafirmação. Foi memória viva. Foi futuro sendo tecido com as mãos firmes de quem sabe de onde vem e para onde vai. Foi a comunidade afro-brasileira dizendo, mais uma vez, que está aqui, de pé, de cabeça erguida, com os pés no axé e os olhos fixos na justiça.


Que as chamas de Xangô continuem a iluminar os caminhos de Mãe Daiane de Xangô ou como agora passa a ser reconhecida: Egbomí Ojú Ladê, de Pai Ricardo, de todos os filhos e filhas do santo. Que o fogo não se apague. Que se espalhe. Que incendeie consciências, que aqueça corações, que queime toda forma de injustiça.


Porque onde há fogo, há vida. E onde há vida, há resistência. E onde há resistência, há vitória.  

E onde há Amalá, há força.  

E onde há força, há esperança.  

E onde há esperança, há um Brasil mais justo — possível, necessário, inevitável.


XangôVive

Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união. 

Axé!

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