Por: Ògan Assogbá Luiz Alves/PROJETO ONÍBODÊ
Brasília, DF – 5 de outubro de 2025— Na tarde de ontem, o Terreiro de Umbanda Iniciática – Casa Luz de Yorimá, localizado na quadra 905 Norte, tornou-se palco de um encontro potente entre tradições espirituais, resistência cultural e denúncia política. O espaço, recentemente reconhecido como Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura, abriu suas portas com o Projeto Quitanda Cultura e Saberes, um ato simbólico e político que reuniu comunidades de matriz africana, povos originários e defensores dos direitos humanos em torno de uma mesma causa: a defesa da diversidade religiosa e territorial no Brasil.
Fotografia como arma contra o racismo religioso
A programação teve início com a visita guiada à exposição do fotodocumentarista e fotojornalista Ògan Assogbá Luiz Alves, um dos mais destacados nomes da cena cultural afro-brasiliense. Sua obra, marcada por uma estética profundamente espiritual.
Alves, que também é religioso de terreiro, utiliza a fotografia não apenas como registro, mas como instrumento de luta contra o racismo religioso. Seu trabalho é pioneiro na capital federal: é o primeiro fotógrafo autoral a mapear visualmente, com sensibilidade e rigor, os saberes, rituais e cotidianos dessas comunidades frequentemente invisibilizadas ou estigmatizadas.
“Minhas lentes não capturam imagens, capturam memórias vivas. Cada foto é um ato de resistência contra a narrativa que tenta apagar nossas tradições”, afirmou Assogbá durante a visita, diante de imagens que retratam oferendas, cerimônias, rostos marcados pela ancestralidade e pela força da fé.
Toré como cura e denúncia
Em seguida, o terreiro foi envolto por uma energia ancestral com a Roda de Toré conduzida pelo Cacique Xukuru e seus parentes. O Toré, ritual sagrado dos povos indígenas do Nordeste — especialmente dos Xukuru do Ororubá —, ecoou entre os Orixás, Caboclos e Pretos Velhos presentes energéticamente no Espaço Sagrado, criando uma ponte espiritual entre as matrizes indígena e africana que compõem a alma da religiosidade brasileira.
Mas o momento também foi de denúncia urgente. O Cacique Xukuru revelou, com a voz embargada pela dor, que na tarde anterior seu Espaço Sagrado em Sobradinho (DF) foi alvo de um ataque racista: criminosos atearam fogo ao local, destruindo toda a madeira que seria usada por sua família para a construção de uma oca em tamanho natural, símbolo de resistência e pertencimento territorial.
“Queimaram nossa madeira, mas não queimaram nosso espírito. Estamos aqui para dizer: não vamos calar. Nossa espiritualidade é sagrada, nosso território é sagrado”, declarou o cacique, enquanto os presentes entoavam cantos de cura e proteção.
“Levante pela Terra”: cinema como testemunho
A programação seguiu com a exibição do documentário “Levante pela Terra”, obra do diretor indígena Marcelo Cuhexê, que dá voz aos povos originários em sua luta histórica pelo direito à terra. O filme desconstrói a narrativa hegemônica do agronegócio e do latifúndio, mostrando, pela ótica dos próprios povos, como os territórios tradicionais são invadidos, desmatados e mercantilizados. Após a exibição, Marcelo Cuhexê participou de um bate-papo emocionante, no qual explicou o processo coletivo de criação do documentário. “Não fizemos um filme sobre os povos originários. Fizemos um filme com eles. Cada cena foi construída em diálogo, em respeito e em aliança espiritual”, disse o cineasta, destacando que o projeto nasceu de uma necessidade urgente de reexistência visual — ou seja, de reaparecer com dignidade nas telas e na história oficial.
Um Ponto de Cultura como fortaleza espiritual
A consolidação da Casa Luz de Yorimá como Ponto de Cultura representa muito mais do que um reconhecimento institucional. É a afirmação de que terreiros são espaços de saber, arte, memória e resistência. Em tempos de crescente intolerância religiosa e violência simbólica contra tradições afro-indígenas, iniciativas como o Projeto Quitanda Cultura e Saberes são atos de coragem e esperança.
“Aqui não se cultua apenas os Orixás. Aqui se cultiva a vida, a diversidade, a justiça”, afirmou Mãe Leila, líder espiritual da casa, ao encerrar o encontro e um chamado à união: “Que esta casa seja sempre um refúgio para os que caminham com a cabeça erguida e os pés na terra sagrada.”
O racismo religioso não passará. A espiritualidade ancestral resiste.
Ògan Assogá Luiz Alves é epresentante do FOAFRO-DF, Projeto Oníbodê e Coletivo "Defensores do Axé"
Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união.
Axé!
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Benção! Somente a lente e escrita sensível do Luiz para retratar de forma tão linda. Muito obrigada!
ResponderExcluirBenção Luiz!!! Parabéns pelo lindo trabalho!!! Com seus registros a história e a resistência se mantém! Axé!!! Vida longa!!!
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