Por Ògan Assogbá Luiz Alves
No último sábado, enquanto a noite se apresentava sobre Águas Lindas de Goiás, o tempo parou. Não por acaso, mas por invocação. No terreiro Ilê Odé Erinlé, sob a batuta sagrada de Pai Ricardo de Oxóssí, o chão sagrado tremeu com o peso da ancestralidade, o som dos atabaques ecoou como um chamado ancestral, e o ar se encheu de axé, memória e esperança. Ocorreu ali um dos momentos mais simbólicos e empoderadores da religiosidade afro-brasileira: o Olubajé, uma das cerimônias mais profundas, reverenciadas e carregadas de significado dentro do Candomblé.
O Olubajé não é apenas uma festa. É um ato de reafirmação de identidade, um ritual de honra ao Obalwayê, o guardião dos caminhos, o mensageiro entre os mundos, mas também uma homenagem solene à Família Ijí — aquela que sustenta, que serve, que constrói os alicerces invisíveis da comunidade. E neste sábado, essa família foi celebrada com a dignidade que lhe é devida: com dança, com oferenda, com presença.
A roda de axé começou cedo. Filhos e filhas da casa, visitantes de diversas partes do DF e TERRITÓRIOS, todos em uníssono, aguardavam ansiosos a chegada do dono da festa: Obalwayê. O clima era de celebração, mas também de profunda espiritualidade. Os atabaques falavam mais alto do que as palavras — anunciavam que o Rei da Terra já caminhava entre nós. E quando Pai Ricardo de Oxóssí adentrou o salão, trazendo consigo a força de Oxóssí e a alegria do anfitrião, o axé se multiplicou. Sua presença, serena e poderosa, confirmou: tudo estava em ordem. O sagrado estava presente.
Mas o que tornou este Olubajé histórico foi o que se seguiu: a chegada de uma figura de peso internacional, um embaixador do Reino de Ifé, um guardião vivo da tradição yorùbá no mundo. Ajoyemi Osunleye, Embaixador de Sua Majestade Imperial Ooni de Ifé, Consultor Internacional do Congresso Mundial de Orixás do Governo Federal da Nigéria, Presidente da Herança de Oduduwa e Representante do Fórum Africano da Diáspora — a única Missão Diplomática da 6ª Região da União Africana no Brasil — honrou o Ilê Odé Erinlé com sua presença.
E o que ele trouxe não foi apenas uma saudação. Foi um chamado
Em sua fala emocionante, Ajoyemi Osunleye anunciou que o momento que tanto esperamos está se concretizando: o reencontro espiritual entre África e Brasil. Ele revelou que Sua Majestade Imperial Ooni de Ifé, o Rei Espiritual dos Yorùbá, está ansioso para visitar o Brasil — não como um turista, mas como um irmão que retorna à sua extensão sagrada. Um gesto de reafirmação de que nós, afro-brasileiros, não estamos sozinhos. Que nossos orixás, nossos eguns, nossas tradições, continuam vivas não apenas em nossos terreiros, mas também no coração da África.
E o anúncio não parou por aí.
Ele confirmou que o Presidente da República da Nigéria Sua Excelência Bola Tinubo chegaria ao Brasil para um encontro histórico com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda-feira (19/08), em um almoço no Palácio do Itamaraty, com a presença de lideranças da Comunidade Negra e Afro-Religiosa. Um momento raro, simbólico e político: pela primeira vez, a espiritualidade afro-brasileira será reconhecida em um ato diplomático de alto nível, como parte essencial da identidade nacional.
Mas o que mais tocou as almas presentes foi o convite: "Voltem à África. Conheçam a terra de seus ancestrais. Porque é também a vossa terra."
Palavras que ecoaram como um tambor no peito de cada um. Um convite não apenas geográfico, mas existencial. Um chamado para que olhemos para trás, não com saudade, mas com coragem. Para que caminhemos de volta, não como exilados, mas como herdeiros.
Após esse momento de profunda emoção, o ritual seguiu seu curso sagrado. O Olubajé propriamente dito começou com um cortejo deslumbrante: Iyás e Iyáwos, em seus vestidos de gala, trouxeram as iguarias tradicionais, enquanto o Dono da Festa e seus convidados dançavam em torno da mesa sagrada, oferecendo alimento, proteção e bênçãos. Cada gesto era um ato de fé. Cada toque, um pedido de saúde, de fineza no caminho, de fortaleza.
Ao final do ato todos se dirigiram para o salão onde o Rei da Festa e convidados iriam tomar o run — os toques sagrados dedicados aos Orixás presentes. Cada batida dos atabaques era um abraço do além. Cada dança, uma reafirmação de identidade.
Ao final, como reza a nossa tradição, um jantar fraterno uniu todos. Não havia hierarquia, apenas irmãos. Apenas família. Todos puderam também apreciar a mais nova criação do fotodocumentarista e artista digital Ògan Assogbá Luiz Alves, um impressão em tecido de sua arte intitulada Omolú. Outras obras da série desses paineis estão sendo concluídas. Caso se interessem em adquirir alguma ou alugar para decorar sua festa com um tema referente à nossa religiosidade e comunidade é só entrar em contato com o mesmo.
Este Olubajé no Ilê Odé Erinlé não foi apenas uma cerimônia. Foi um marco. Um sinal de que a religiosidade afro-brasileira está viva, forte, e cada vez mais conectada com suas raízes. Foi um lembrete de que, mesmo após séculos de escravidão, de perseguição, de apagamento, nós resistimos. Nós persistimos. Nós ressurgimos.
E agora, com a possibilidade real de um encontro entre o Ooni de Ifé e o povo brasileiro, com a presença do Presidente da Nigéria no coração da política brasileira, algo novo está nascendo: um reencontro espiritual que pode mudar para sempre a forma como o mundo vê a África e seus filhos espalhados pelo mundo.
A mensagem é clara: Não estamos sozinhos. A Terra nos reconhece. Ifé nos chama.
E enquanto os atabaques ecoam, e os pés dançam no chão sagrado de Águas Lindas, uma coisa é certa:
O Futuro do Candomblé é Ancestral. E Ele Começa Agora.
(Ògan Assogbá Luiz Alves)
Que os Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união.
Axé!
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