Por Ògan Assogbá Luiz Alves/PROJETO ONÍBODÊ
Brasília — 18 de dezembro de 202
Na cidade-planejada, erguida sobre linhas retas e simetrias modernistas, algo irrompeu com força ancestral: o cheiro do dendê quente, o crepitar do fogo ritual, o som do atabaque ecoando entre paredes que um dia abrigaram o gênio de Oscar Niemeyer. Nos dias 16 e 17 de dezembro, a Casa Niemeyer, residência histórica do arquiteto visionário foi transformada em uma grande cozinha de um Ilê, em terreiro temporário, em centro de poder espiritual e político. Ali, o Projeto Saberes e Sabores – Amostra Gastronômica de Comidas de Terreiro não apenas encerrou sua primeira edição: inaugurou uma nova narrativa para a capital da República.
O ar de Brasília, tantas vezes associado à burocracia e ao discurso institucional, foi tomado por outro sopro: o àṣẹ que sai da panela de barro, do pilão de madeira, das mãos que, por gerações, transformam o sagrado em alimento e o alimento em resistência.
Foram dois dias de presença plena:
45 terreiros e comunidades de matriz africana, representando os quatro cantos do Brasil 11 de cada região, foram celebrados e premiados com R$ 13 mil cada, além de um kit de cozinha completo, entregue com reverência, não como doação, mas como reparação simbólica e material.
Lideranças religiosas: Tatas, babalorixás, ialorixás, ogãs, ekedis, mães e pais de santo ocuparam o centro da cena com voz firme, olhar sereno e sabedoria ancestral incontestável.
Ao seu lado, representantes do governo federal, de secretarias de cultura e direitos humanos, e, com destaque emocionante, embaixadores e adidos culturais de países africanos. Um encontro transatlântico que não se limitou à diplomacia protocolar: foi reconhecimento de parentesco, de memória viva, de continuidade.
Nos diálogos institucionais, não se pediu espaço reivindicou-se pertencimento.
E então, veio o clímax:
A degustação coletiva, realizada sob luz natural que entrava pelas janelas da Casa Niemeyer como se até a arquitetura se curvasse diante da força ancestral. Pratos dispostos com zelo litúrgico:
Cada sabor veio acompanhado de sua história: quem planta, quem colhe, quem cozinha, para quem se oferece, qual o axé que se ativa. Comer ali não era ato de consumo — era participação em um rito de comunhão intergeracional.
Encerrando a noite com o chão vibrando em homenagem a Oxum e Oxóssi, o Grupo Omo Ayò formado por filhos e filhas espirituais de Babá Aurélio de Odé, trouxe o afoxé como manifesto vivo. Suas cores, seus passos, seus cantos em yorubá ecoaram naquele espaço modernista como um lembrete:
O sagrado não precisa de permissão para existir. Ele simplesmente é - e, quando chamado com respeito, ele desce e transforma qualquer lugar em ponto de força.
A escolha da Casa Niemeyer para esse encontro foi mais do que simbólica. Foi poética.
Se Niemeyer sonhou uma Brasília com curvas que imitassem o corpo da mulher brasileira, agora, décadas depois, esse corpo foi nomeado: é o de Iemanjá, de Oxum, de Nanã — é o corpo das mães de santo que, com colher de pau e oração, constroem mundos dentro do mundo.
| O Clube Social Negro do DF marcou presença. |
Saberes e Sabores não é apenas um projeto.
É um ato de soberania cultural.
É a prova de que:
A cozinha de terreiro é lugar de ciência e inovação;
Os terreiros são polos de educação, saúde e segurança alimentar;
E o Brasil só será plenamente Brasil quando souber que sua alma, seu tempero, seu Axé, vêm do terreiro.
Que as vencedoras e vencedores desta etapa semeiem colheitas generosas.
Que cada kit de panela vire uma escola, um curso, um livro de receitas-orações.
Que o dendê continue perfumando corredores de poder —
porque enquanto houver fogo sagrado nas cozinhas de Axé,
a ancestralidade seguirá quente, viva… e indestrutível.
Queos Orixás nos iluminem – e nos lembrem sempre que a força do nosso povo está na união.
Axé!
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