quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O movimento internacional reparação

Amigos e amigas,
No próximo sábado, dia 12 de janeiro, em Bruxelas, acontece um evento que nenhum jornal do mundo vai dar.
Então, as resultantes deste evento ficarão por conta das informações que virão via internet.
Mas que evento é esse ?
Trata-se do protesto contra o APE ( Acordo de Parceria Econômica) proposto pela União Européia a OUA ( Organização dos Paises Africanos da Unidade Africana). Os organizadores deste evento são as seguintes entidades:

CPE (Coordination Paysanne Européenne)
CBB (Confédération des Betteraviers Belges)
FWA (Fédération Wallonne de l'Agriculture), Belgique
COAG (Coordinadora de Agriculutroes y Ganaderos), Espagne
FETAF ( Federação dos Trabalhadores Africanos na França)
A diáspora africana na Europa criou um coletivo ( vinte responsáveis das associações africanas em Paris) para lutar contra o APE. Eles estão recebendo apoio do presidente do Senegal, Abdoulaye Wade.
E o que quer esse APE ?
Quer comprar os produtos agrícolas dos países africanos durante um certo período até que os africanos possam se capitalizar com os investimentos feitos pela União Européia, e assim sair do eterno subdesenvolvimento, ingressando numa era de prosperidade econômica sem fim.
Intelectuais do Senegal foram os primeiros a ficarem com um pé atrás quando souberam da proposta. As dúvidas se estenderam para outros paises africanos.
Afinal, por que cargas d'água a União Européia vem agora com a história de comprar todos os produtos agrícolas africanos a preços relativamente muito interessantes se historicamente a relação tinha sido inversa ?
Além do mais, os africanos não têm assim bons produtos agrícolas para serem consumidos pelas elites metropolitanas dos países europeus.
O que estava por detrás do APE, perguntaram alguns intelectuais africanos.
Eles raciocinaram o seguinte: com o crescimento do movimento internacional de reparação ( todos os dias surgem sites, blogs, jornais, movimentos, ONGs, debates, análises jurídicas, discussões aprofundadas sobre o assunto) nos guetos europeus, dos EUA e da América Latina, a União Européia veio com uma jogada para botar água fria nesse movimento instigante que não pára de crescer na diáspora africana.
Isto implica que a União Européia terá que pagar muito caro, caso o movimento cresça e se torne uma opção política dos negros da diáspora.
E não é somente a União Européia que percebe que chegou o momento de ser feito algo de peso em beneficio da África e de seus descendentes na diáspora. Na IV Conferência Internacional de Nitrogênio, realizada na Costa do Sauípe, Bahia, o economista Jeffrey Sachs, diretor do Instituto Terra, da Universidade de Columbia, EUA, pediu a criação um fundo agrícola pela ONU para beneficiar os países africanos, cujas agriculturas não conseguem dar o salto de produtividade para ingressar num estágio mais avançado. Na verdade, Sachs ensaiara pelo lado norte-americano, uma tentativa de reparação via ONU, tendo a agricultura outra vez como centro desta questão.
Segundo o jornalista senegalês Lansana Dabo, que esteve recentemente nos EUA, crescem no movimento negro norte-americano discussões sobre a reparação. Quem sabe inglês é só botar num site de busca a palavra "reparation". Intelectuais negros de todas as estirpes têm analisado por todos os ângulos em jornais negros como deve ser feita a reparação aos diferentes descendentes de africanos espalhados pela diáspora. Segundo Dabo, é um movimento sem volta.
No países latinos e do Caribe, lembra ele, os movimentos negros também discutem como deve ser feita a reparação e seus dirigentes se espelham no movimento negro norte-americano. Aqui, no Rio de Janeiro, alguns intelectuais negros já se reúnem para organizar dentro de cinco meses o Seminário Internacional de Reparação: Brasil, África e Estados Unidos, onde haverá uma tentativa de tirar uma proposta jurídica unificada de reparação para os negros das Américas e da África.
Neste sentido, existe uma reação norte-americana e européia a estes movimentos. Afinal, os europeus foram aqueles povos que mais arrebentaram com as culturas africanas e das Américas com o processo colonialista dos séculos XVI, XVII e XVIII e XIX, e depois com a partilha da África, no início do século XX.
Esta secular exploração européia na África e Américas foi é um crime contra a Humanidade como já defenderam diversos juristas internacionais. Existem uma pá de documentos jurídicos sobre isso que podem embassar tranquilamente uma ação mundial de reparação. Afinal, os judeus, até hoje, vêm recebendo das cortes internacionais reparações pelo tratamento que receberam dos nazistas na segunda guerra mundial.
No Brasil, existem precedentes óbvios: militantes de esquerda de classe média têm uma lei de reparações por eles terem sido torturados pela ditadura militar (1964-1985). Jornalistas têm uma lei que garante reparação por eles terem sido impedidos de trabalhar neste período dramático de nossa sociedade. Já houve casos de um jornalista ter conseguido reparação de R$ 2 milhões. Sem querer tripudiar, mas nosso atual presidente da República recebe mensalmente um salário de reparação pelo o que a ditadura militar fez com ele e contra o movimento operário do ABC paulista do final dos anos 1970.
Cientes de que a qualquer momento serão impactados pelo movimento de reparação mundial, a União Européia resolve se antecipar e lança então o APE e os negros africanos e da diáspora reagem. Não querem esta esmola. Querem uma reparação condigna onde todos os negros da diáspora possam ser reparados pelos crimes cometidos pelas nações européias na exploração dos continentes africano e americano.
Então, o movimento de 12 de janeiro de Bruxelas, na porta da sede ONU, ganha magnitude neste sentido. Os negros da diáspora querem propor outro tipo de reparação e não aceitam passivamente o APE.
Embora muitos não saibam, o Brasil tem uma ligação direta com a questão da reparação aos descendentes de africanos. Antes da Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, na África do Sul, em 2001, o publicitário Roberto de Carvalho, um dos fundadores do Afro-Liberal, no Rio de Janeiro, ingressou com uma petição de reparação pelo crime de escravismo contra o estado brasileiro no OEA ( Organização dos Estados Americanos), que ainda espera a anexação de mais documentos para ter continuidade no plenário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a análise se cabe ao Brasil reparar os afrodescendentes pelo crime de escravidão.
Atualmente, no Brasil, sem que haja estardalhaço, os negros brasileiros estão organizando um "Congresso da Reparação", para, a ser realizado em maio de 2008. no Rio de Janeiro. A partir dos resultados deste congresso, se pretende ingressar juridicamente com pedido de reparação contra o estado brasileiro em relação ao crime do escravismo no Supremo Tribunal Federal ou numa corte de direitos humanos internacional.
Em minha opinião, essa questão é muita séria, e quer queira ou não, temos que pô-la no caminho diário de nossa reflexão pela melhoria de condições de vida de nossa população historicamente tão aviltada e desumanizada.
Abraços
Carlos Nobre
-- CN